MINHA VELHA CAÇAPAVA


Minha Velha Caçapava
Por Darcy Breves de Almeida*

Confesso que dentre os livros que falam de nossa querida Caçapava, um tem sabor especial para mim. Trata-se de “Minha Velha Caçapava” do Dr. José de Freitas Guimarães, o famoso Juquita, que convidado para a sessão solene promovida pela Câmara Municipal de Caçapava, a 14 de abril de 1968, através de um discurso poético, nos deixou belíssimas palavras sobre a cidade que tanto amamos.

E nossa admiração é tanta, que volvemos nosso olhar agradecido nesse relicário de saudade e transcrevemos algumas linhas, escritas em primeira pessoa, mas que também são de muitos caçapavenses.
Juquita, hoje é para a sua pessoa, a nossa simples homenagem, por isso dê-nos licença para dizer:

“Eu te revejo, minha velha Caçapava, como se ainda fosses a mesma cidadezinha antiga, dos meus tempos de criança, com tuas ruas, praças e o teu vetusto casario, habitado por tua gente honesta e trabalhadora, no seu labor diuturno, à luz dos teus toscos lampiões a querosene, suspensos em postes de madeira rústica, fincados à beira das calçadas e nas tuas esquinas, sob a proteção dos quais, casais de namorados, românticos e inocentes, vinham, à tardinha, à hora do Ângelus e ao pôr do sol, trocar suas juras de amor e construir seus castelos, lampiões que eram acesos, religiosamente, às seis da tarde, por aquele funcionário municipal, corcundinha e humilde, escada de bambu, ao ombro, apressadamente, para que não viesses ficar às escuras, facilitando assim, encontros furtivos e às escondidas...”

“Eu te revejo, minha velha Caçapava, quando da formatura da primeira turma do nosso “Grupo Escolar”, em Novembro de 1908, sob a orientação do Professor Carlos Martins Sodero, de saudosa lembrança, composta de vinte alunos e da qual fazíamos parte: — Fernando Pantaleão (o Dandico), João Carlos Marcondes, Gustavo Pereira, Sizenando Esteves, Republicano Brasil, Luso Sousa, Mário Eugênio, Idílio Freitas Dias, Filogônio, Álvaro Pereira, Rivadávia Pereira, Acácio Lara, Odilon Araújo, Marcondinho, José Maria Rodrigues Leite, Jayme Motta, Benedito Moura Paula e Viriato Pereira de Mattos;”
“Eu te revejo, ainda com teus dois grandes chafarizes, em frente ao teu” Mercado “, na Praça S. Benedito, fornecendo, diariamente, água abundante, a todos os moradores da cidade, que vinham apanhá-la, munidos de caldeirões, latas e outros vasilhames, levados sobre as cabeças, protegidas por rodilhas de pano; eu te revejo, após a demolição dos nossos chafarizes, na mesma procura do precioso líquido, na nascente do “Olho d’Água”, nas adjacências do teu novo Hospital e na chácara do Major Teles;”

“Eu te revejo, na hospitalidade de tuas velhas chácaras, contornando o teu perímetro urbano: — a do Pantaleão, do Antônio dos Santos, antigas propriedades de meu pai, da Maxambonha, de Nhá Targina, posteriormente do Zé Tomáz, Lupércio e Mário Camargo e Nhozinho Ferraz, do Vieira, na Rua do Porto, posteriormente do Rafael Citro e Miguel Simões, do Brancate, Dr. Rosalvo, Nhonhô Ludgero, Nhá Mocinha, Procópio de Siqueira, do Benedito Ferreira, posterior e, atualmente, dos Lanfredis;”

“Eu te revejo, minha velha Caçapava, com teus animados folguedos carnavalescos, cujos desfiles e carros alegóricos eram organizados pelo Sousa, Dimas, Sinhô Guedes, Sinhô Caetano, Cristo e outros foliões, saindo à rua, durante os dias consagrados a Momo, carros com críticas irreverentes aos figurões da tua política, “jagunços e babaquaras”, colombinas e pierrôs, precedidos de fanfarras e animado”Zé Pereira”, entrudos a baldes d’água, nas casas do Zé Tomáz, d. Olímpia, do Chico Martins, Honório Pedrosa e Dr. Koch, com emprego, ainda, de farinha de trigo, pó de sapato e zarcão, laranjinhas de cera perfumada e lança-perfumes;”

“Eu te revejo, ainda, nas tuas noites frias e invernosas do mês de Junho, nas tuas festas juninas, em louvor a São Pedro, Santo Antônio e São João, este, padroeiro da cidade, quando assistia, em redor de tuas fogueiras e braseiros, espalhados por todas as tuas ruas e praças, o desafio de teus violeiros, sob o som nostálgico das cuícas, violas, violões, sanfonas, pandeiros, tambores e tamborins, no requebrar, fogoso, dos teus caboclos, gritando, pulando e cantando emboladas, requebrando no jongo e no cateretê, dando umbigadas e sorvendo, de instantes a instantes, tigelas e vasilhames de ponche, gengibrada, quentão, canelinha e aguardente, sob vozerio estridente e barulho ensurdecedor que somente sossegavam, amenizavam e esfriavam, ao cair, pela madrugada, da última palmeira, sustentáculo das tuas tradicionais fogueiras;”

“Eu te revejo, em tuas velhas casas de comércio, espalhadas por toda a cidade: ——Armazéns dos Baldacci, Anselmo Fazzi, Florindo Lippi, Pedro Simão, Beltramo Berti, Artur Azevedo, Pedro Simão, Júlio de Aquino, Caio Pierre e outros; lojas de fazendas e armarinhos, de Targino e Olímpio de Mattos, Abrão Miguel do Carmo, Chico Vito, José Resende, José Tomáz e José Benedito, Alexandre Mafuz, Emílio Farat, Álvaro Pereira e Carlos de Moura Filho, Irmãos Lara e Bento Teles; sapatarias do Galeano, Eugenio de Oliveira, José Ramos, Brás Forastieri e Mazzei; ferragens e tintas, do José Kitz; vendas a prestações do Salis e do José Russo; bares do Portugal, do Pierre, Antônio Bento, José Augusto e Marcondinho, Getro e do velho Pirocheti, onde hospedamos, certa vez, o” Esporte Clube Germânia”, da Capital, que aqui veio enfrentar a nossa “Associação Caçapavense”; de materiais elétricos, do Aldo Verdi; padarias do Valentim, Silvina Freira, Juca Lara, Américo e Arnaldo Graça, dos Rossi e dos Manetti; alfaiatarias do Binari, Pastinha, Canuto, Renato Alegri, Majorzinho, Jordão Montezuma, Joaquim Brocha e José Quinoca; farmácias do Maneco Esteves, do Zequinha, Cassuta, José Nogueira, Antônio Sá, Irmãos Castro, Bonorinos, Oscar Romeo, Miguel Simões, Agenor Nascimento, Geraldo e Ademar Siqueira; oficinas de carpintaria do Agostinho Del Monaco, Mistura, Toseto e Quinsan e, finalmente, as papelarias e tipografias do Manoel Viana, Plínio Dias, Nico Andrade, Bibiu, Manoel e José Costa; “

“Eu te revejo, em última evocação, no brilhante livro” “CAÇAPAVA”, da autoria do nosso saudoso conterrâneo, Desembargador ALÍPIO BASTOS, lançado no ano de 1955, em homenagem à sua terra, que tanto amou, e que é um repertório completo da nossa cidade, desde os primórdios da sua fundação, “com extensas pesquisas e esclarecimentos de pontos obscuros e encontradiços em nosso passado”, segundo suas próprias palavras.

Passaram-se muitos anos, muitos anos mesmo, mais de meio século, minha velha e saudosa Caçapava...

O pálido luar que derramava sua claridade nos nossos quintais e nas nossas ruas e praças, desertas, tranqüilas e sossegadas, já não possui seu romantismo, ofuscado, como foi, pela luz intensa de tuas lâmpadas elétricas, que vieram substituir teus velhos e arcaicos lampiões a querosene; altas horas, já não deparamos por essas ruas com teus velhos e boêmios seresteiros, em suas saudosas vigílias e serenatas; os teus morosos carros de bois também já não existem, substituídos que foram por modernos automotores, numa ânsia incontida de progresso; o velho campo da nossa veterana “Associação Caçapavense”, de nosso clube do coração, transformado, por sugestão nossa, no “Estádio JOSÉ LUDGERO DE SIQUEIRA”, primitivamente pasto do Cel. José Benedito da Silva, adquirido, em 1915, por oito abnegados esportistas da “velha guarda” e que à mesma sociedade o doaram gratuitamente e, na maior boa fé, sem qualquer cláusula restritiva para sua inalienabilidade, campo que foi palco dos nossos mais memoráveis encontros de futebol, hoje é apenas um espectro do passado, do seu glorioso passado esportivo, pois seu estádio, loteado e vendido como o foi, em sua melhor porção, não poderá proporcionar mais, aos seus associados e apreciadores do futebol, os espetáculos a que estavam acostumados e que eram, sem dúvida, a razão de ser da fundação da veterana sociedade; o antigo “Largo Visconde do Rio Branco” contíguo ao de São Benedito “, hoje” Praça da Bandeira “, também foi eliminado da planta da cidade, leiloado, há muitos anos, como o foi, pelo então Poder Municipal; também a venerável” Capela de São Benedito “, plantada no coração dessa praça, foi destruída e já não vemos, rodeando e volteando suas calçadas, como um enxame de abelhinhas à procura de suas colméias, as inocentes criancinhas da” Escola Paroquial “, de Da. Francisca, transferida, como foi, em nome do progresso, para as limitações da” Chácara de Nhô Quim Pantaleão “; abriram-se novas ruas e praças públicas, dilataram o teu perímetro urbano, construíram novas vilas e residências confortáveis; ajardinaram, com muito gosto, teus logradouros, construíram uma fonte luminosa e colocaram em teus jardins inúmeros bancos, para o descanso do público; moderno coreto, traçado pela habilidade e arte de Juvenal de Abreu, embeleza a atual “Praça da Bandeira”, onde suas árvores antigas e copadas, mas já comprometidas pela ação do tempo, foram substituídas por outras mais modernas; lindas trepadeiras em flor se enroscam por modernos e extensos caramanchões, tudo, enfim, atraente, moderno e atualizado.”



Darcy Breves de Almeida é professora, historiadora, integrante da
Academia Caçapavense de Letras e
colaboradora especial nesta edição

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